A existência de cães nas ruas é uma realidade mundial que gera uma demanda social de atenção a eles. A preocupação da sociedade não se deve apenas aos riscos em relação à saúde humana, como a ocorrência de doenças, mas o bem-estar dos cães também é cada vez mais importante. Assim, estratégias eficazes de manejo populacional de cães de rua, que aliem o bem-estar animal e humano, se fazem necessárias. É nesse contexto que surgiu a proposta de implantação de Programas Cão Comunitário em algumas prefeituras brasileiras, como é o caso de Curitiba e Região Metropolitana.
O Programa busca proporcionar o aumento do grau de bem-estar e o acesso aos cuidados básicos de saúde, principalmente a esterilização, dos cães em situação de rua, consolidando também um vÃnculo entre a comunidade local e os cães. Desta forma, o Programa Cão Comunitário promove a redução do sofrimento animal e humano, além de reduzir a natalidade de cães, evitando mais filhotes nas ruas, e o risco de zoonoses, pela vacinação e manutenção da saúde desses animais. Entretanto, um desafio do Programa é sua pouca visibilidade, o que dificulta a conscientização da sociedade e a aderência de mais pessoas a ele.
Para que seja possÃvel aumentar o conhecimento sobre o Programa Cão Comunitário, o Laboratório de Bem-estar Animal da Universidade Federal do Paraná criou o projeto de extensão Cão Comunitário Digital. Esse projeto objetiva disseminar informações acerca do Programa entre a comunidade acadêmica e a sociedade em geral, promovendo o bem-estar único por meio de uma plataforma digital.
Até a década de 70, se acreditava que matar cachorros era a solução para o controle da raiva e da população canina.   Mas com o sucesso da vacinação contra a raiva, entendeu-se que seu controle está mais associado com a prevenção da doença nos cães, já que as tentativas de controlar a população canina falharam. Hoje sabemos que a melhor conduta é promover o bem-estar dos cães de rua. Quanto mais cuidado os cães receberem, menor a probabilidade de adquirirem e transmitirem doenças. Ainda, a presença dos cães comunitários vacinados e castrados funciona como barreira sanitária e reprodutiva. Assim, de certa forma, os cães comunitários protegem seus bairros. Embora não seja ideal terem cães morando nas ruas, por ainda ser uma realidade no Brasil, é importante que eles recebam os cuidados possÃveis. Os cães cadastrados no Programa são microchipados, recebem exame clÃnico, vacinas e esterilização cirúrgica, e também são associados a um cuidador, que é morador do bairro e aceita a responsabilidade de alimentar, manter abrigo e dar atenção ao animal.
O foco do Programa é o cuidado dos animais enquanto eles estão nas ruas. Isso se deve à compreensão de que existem mais cães do que lares para mantê-los em guarda responsável. A proporção média de cães na sociedade brasileira é de um cão a cada quatro pessoas. Diminuindo as taxas de nascimento, mortalidade e migração de cães, é possÃvel aumentar a expectativa e a qualidade de vida para benefÃcio desses cães e dos seres humanos.
Nesse âmbito, o começo do projeto Cão Comunitário Digital em setembro de 2017 contou com uma ampla pesquisa sobre as bases teóricas do Programa e com pessoas envolvidas: cuidadores de cães comunitários, funcionários das prefeituras que participam, residentes do Hospital Veterinário da UFPR que atuam no Programa, docentes e pesquisadores. Essa pesquisa possibilitou organizar as informações mais importantes que deveriam ser destacadas na plataforma do Cão Comunitário Digital. Foram entrevistados 34 cuidadores, todos cadastrados no Programa Cão Comunitário, com o intuito de fazer um levantamento sobre benefÃcios, desvantagens e melhorias do Programa de acordo com suas opiniões.
A pesquisa mostrou o quanto o cachorro é importante para o ser humano. Todos os respondentes afirmaram que o cão é um animal senciente. A maioria o considera como membro da famÃlia, aproxima os sentimentos do cão aos do ser humano e tem laços afetivos muito fortes, mesmo quando são cuidadores de cães de rua.
Ainda, a pesquisa com o público revelou que o conhecimento geral da sociedade sobre o Programa Cão Comunitário se restringe a aplicação de vacinas, antiparasitários e a castração dos cães de rua. Muitos respondentes apontaram para a falta de divulgação de informações sobre o Programa, argumentando não terem conhecimento sobre demais aspectos. Foi perceptÃvel que conceitos como bem-estar animal, guarda-responsável e manejo populacional de cães, conteúdos de base do Programa Cão Comunitário, são informações praticamente não divulgadas.
A coleta de dados permitiu a estruturação da plataforma digital, destacando blocos de conteúdo sobre o Programa, como seu funcionamento, legislação de suporte, histórico, como participar, manejo populacional de cães, entre outros, e sobre bem-estar animal, como os princÃpios teóricos, como avaliar o bem-estar do cão, bem-estar único, guarda-responsável, etc. O conteúdo estruturado possibilitou a criação textual e visual da plataforma, com linguagem em padrão acessÃvel e com elementos carismáticos, como uma logomarca e um mascote, no intuito de atingir a maior quantidade de pessoas possÃvel. Desde o estabelecimento do site do Programa Cão Comunitário em 2019, o projeto testa a sua usabilidade e atualiza continuamente sua conformação e seus conteúdos.
O projeto do Laboratório de Bem-estar Animal emprega o design em prol do bem-estar único, envolvendo o bem-estar de cães de rua e a saúde pública, para a construção de uma plataforma digital interativa, que busca informar e educar a sociedade sobre o programa e áreas de conhecimento correlacionadas. O objetivo maior é aumentar a compreensão de que o cão comunitário é alguém que faz parte da nossa sociedade, pelo menos até atingirmos um efetivo controle de nascimentos, de forma que todo cão possa ter um bom lar.